“É necessária uma redistribuição significativa de recursos da União para equalizar responsabilidades”, afirma Araújo

Na sétima conferência do curso Cidadania e Direito à Educação, realizada no último sábado (24/4), o consultor educacional da UNDIME Nacional, Luiz Araújo, falou sobre a Distribuição de encargos e competências educacionais no regime federativo, com enfoque nos desequilíbrios e desigualdades nas condições de oferta educativa, decorrentes da maneira como se conforma o regime de colaboração no Brasil. Araújo relacionou o ordenamento jurídico brasileiro com a realidade da aplicação normativa, para problematizar algumas das questões postas pelo atual regime. “É necessário que haja a definição de formas de colaboração para que seja cumprido o que é obrigatório por lei”, ressaltou.

Veja aqui a apresentação de slides utilizada na Conferência de Luiz Araújo.

Ex-secretário de educação de Belém (entre 1997 e 2002) e ex-presidente do INEP (entre 2003 e 2004), Araújo iniciou sua exposição pela apresentação de três conceitos importantes para o entendimento do debate sobre o pacto federativo: política pública; federalismo e regime de colaboração. O primeiro foi tratado como a tradução em política das demandas colocadas pela população. “A educação como direito se traduz em determinado conjunto de políticas. E existe determinado formato de como esses programas chegam à população”, explicou.

Já o federalismo é um “modelo de organização do Estado, caracterizado pela coexistência de duas soberanias, a União e os ‘estados’. Em um Estado federativo, diferentes níveis de governo atuam, têm autoridade, sobre uma mesma população”. Araújo destaca, no entanto, que no caso do Brasil temos a experiência sui generis de três entes federados. “São raros os Estados que deram autonomia significativa para as cidades. Isso tem implicações na política educacional”. Com a Constituição de 1988, muitas políticas foram municipalizadas, de forma que há autonomia municipal, mas limitada pela soberania da União. O modelo estadunidense, exemplificou Araújo, confere maior autonomia aos estados, enquanto no Brasil o regime federativo é centralizado, “mas a gerência de políticas públicas é descentralizada”.

Quanto ao regime de colaboração, Araújo o conceituou como um princípio relacional constituinte do complexo federativo, em que os entes federados possuem competências compartilhadas. “É necessária, para que se tenha o regime federativo, a definição dos mecanismos de articulação entre os entes”, afirma. Algumas competências são exclusivas de um ente, como a legislação penal no Brasil, uma competência privativa da União. Já a legislação ambiental é concorrente entre União e estados. Para que não se contradigam, há um princípio relacional entre os entes federados. “O regime colaborativo traz a forma que entes federados se entrosam para que o projeto de educação para todos os brasileiros seja garantido. Em qualquer extremo do País, o direito inscrito na Constituição tem de ser garantido, e a divisão de responsabilidades e competências não pode ser obstáculo à garantia de direitos”, explica.

A política pública é a prestação de serviço do Estado para a garantia do direito. E para isso são necessários recursos. “Pagamos tributos para todos os entes federados. Tais recursos precisam ser redistribuídos em forma de serviço para garantia de direito”. Assim, a educação é competência de União, estados e municípios, o que traz dificuldades operacionais práticas para que a prestação de serviço aconteça. “Em muitos países a educação é dever federal”, revela Araújo.

Ele compara a educação com a saúde, ambas “políticas públicas massivas e universais, mas com modelos distintos de divisão de responsabilidades”. Na Constituição, saúde é definida como resultante de políticas sociais e econômicas, como direito do cidadão e dever do Estado, e cujas ações devem ser promovidas por um Sistema Único de Saúde (SUS), organizado segundo diretrizes como descentralização, atendimento integral e participação social. Na educação, há níveis e etapas em cada esfera de governo. “A educação descentralizou e pulverizou as competências, de forma que o Sistema Nacional é uma necessidade na educação”.

Para que ninguém fique de fora da escola, destaca Araújo, é preciso que haja definição de formas de colaboração, e assim se cumpra o que está na lei. “O ensino obrigatório é atribuição dos estados e municípios. Se não houver regime de colaboração, um espera pelo outro para prestar o serviço, ou há duplicidade de gasto. Por isso a necessidade de elaborar leis federais que regulamentem isso, mas até hoje elas não existem”. Ademais, a Emenda Constitucional 59 estende, progressivamente até 2016, a obrigatoriedade do ensino para a faixa etária de quatro a 17 anos. “Há um avanço em termos de direito social, mas são diversos entes federados que o devem garantir”.

Legislação

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleceu regras mínimas para o regime de colaboração e colocou como obrigação dos estados definirem, com municípios, formas de colaboração na responsabilidade concorrente na educação fundamental, de modo a assegurar distribuição proporcional da responsabilidade. “Mas a LDB não regulamentou uma distribuição proporcional, relacionada à população atendida e aos recursos disponíveis, ou seja, à capacidade de cada ente de atender a população”.

Pelo artigo 211 da Constituição, é papel da União – ente federado que solidifica a federação – financiar “as instituições de ensino públicas federais” e exercer, “em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino, mediante assistência técnica e financeira aos estados, Distrito Federal e municípios”.

Disso decorre que a competência da União não é de prestação de serviços na educação básica, mas apenas para redistribuir e equalizar oportunidades, financeira ou tecnicamente. “Há, no entanto, uma distância entre a realidade e esses dispositivos legais e constitucionais. Os estados e municípios pressionam o governo federal para que regulamente a forma de colaboração, para haver a redistribuição de recursos. Já quem tem mais recursos, protela o debate. No caso, é a União”, explica Araújo.

Destaca-se que o volume de recursos distribuídos não é proporcional ao volume de responsabilidades. As conseqüências disso são reveladas por pesquisas como o PNAD 2008. “Apenas 18% das crianças de 0 a 3 estão nas escolas e 10% da população maior de 15 anos é analfabeta. Entre os mais pobres esse número sobe para 19%. Na educação básica, 31,5% dos professores não têm nível superior; nas creches esse número sobe para 57,9%”, exemplifica com efeitos concretos da falta de regulamentação do regime de colaboração. “A União fica com 58% da arrecadação de impostos, 25% ficam com os estados e 17% com municípios. Mas o atendimento é principalmente feito por municípios”.  Tal desproporção entre responsabilidades e recursos repercute em todas as áreas. “É necessária uma redistribuição significativa de recursos da União para equalizar responsabilidades”.

O Plano de Metas, anunciado em 2007 como programa do governo federal na educação, colocou que os municípios e estados deveriam aderir a 28 metas, monitoradas através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Para a adesão, seria necessário preencher o Plano de Ações Articuladas (PAR), o que resultaria na liberação de recursos adicionais pela União. “A questão é que o município adere ao programa. Não é pactuada a forma de colaboração, e um regime de colaboração pressupõe pactuação entre entes autônomos. Neste caso é adesão”.

Outra ação do atual governo é o segundo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC 2), que prevê a construção de seis mil creches. “Para cada creche que o governo financia, em material, o município gasta igual valor por ano para mantê-la. O CAQ mostrou que é proporcional. Como o governo federal não financia a manutenção, pode acontecer de os municípios não conseguirem manter porque não há recursos próprios”.

Araújo finalizou ressaltando a importância dos debates da Conae, para se pensar em como ter sistema que seja fruto de um pacto entre os entes, para que o direito seja garantido num padrão mínimo de qualidade. “É imprescindível a redistribuição de recursos e responsabilidades. Atualmente, o município é penalizado e o serviço fragilizado. E o direito não é garantido integralmente”.

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